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MINISTÉRIO DO TURISMO
Secretaria Especial de Cultura
Gabinete da Secretaria Especial de Cultura

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Ofício nº 1072/2021/SECULT/GAB/SECULT

Brasília, 15 de abril de 2021.

 

A Sua Excelência o Senhor

Marcos Cesar Pontes

Ministro de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovações

Esplanada dos Ministérios, Bloco E, 4° andar, Sala 400

CEP:  70067-900 - Brasília – DF

E-mail: cggm@mctic.gov.br

 

Assunto: Retirada de conteúdo por provedores de aplicações de internet.

Referência: Caso responda este Ofício, indicar expressamente o Processo nº 72031.003657/2021-13.

 

Senhor Ministro,

 

Cumprimentando-o cordialmente, por meio do presente expediente venho apresentar os recentes acontecimentos de aparentes violações de direitos autorais e outras violações a garantias constitucionais no ambiente digital, notadamente nas Plataformas Digitais, que deram ensejo à atuação da Secretaria Nacional de Direitos Autorais e Propriedade Intelectual, vinculada à Secretaria Especial de Cultura.

A Secretaria Nacional de Direitos Autorais e Propriedade Intelectual, da Secretaria Especial de Cultura do Ministério do Turismo, é um órgão que tem por competência, conforme o art. 1º, XI, do Anexo do Decreto nº 10.359, de 20 de maio de 2020, a “regulação dos direitos autorais”, e ainda em observância ao art. 38, II, do mesmo normativo, "propor, apoiar e promover ações de proteção aos direitos autorais e de combate à pirataria e aos usos ilegais de obras intelectualmente protegidas”.

Considerando as competências em referência, a Secretaria foi instada por usuários de aplicações de internet que alegaram ter sido realizada a remoção de conteúdo veiculado por seus canais e páginas de plataformas e até mesmo cancelamento de contas sem observância mínima de seus direitos. Alegam os requerentes que os titulares das contas sequer tinham conhecimento da motivação da “penalidade” aplicada e que não foi oportunizada a apresentação de qualquer justificativa ou recurso perante a Plataforma, ficando impedidos de restabelecer o acesso aos seus canais e até mesmo aos conteúdos já criados, sobre os quais detém direitos autorais.

Em razão disso, em 11 de fevereiro de 2021, esta Secretaria Nacional de Direitos Autorais e Propriedade Intelectual, expediu Ofícios para os provedores de aplicações de internet: Youtube, Facebook, Twitter e Instagram, em que foram solicitados os seguintes esclarecimentos:

Qual o mecanismo adotado pela Plataforma para a retirada de conteúdo?

Quais os mecanismos de identificação e tratamento dados a conteúdos que supostamente impliquem em violação ao ordenamento jurídico, inclusive no que tange a infrações aos direitos de autor ou aos direitos conexos? e

Quais os parâmetros para a definição das políticas de segurança, que impliquem na retirada de conteúdo e cancelamento de contas, à luz do ordenamento jurídico brasileiro, notadamente do Marco Civil da Internet?”.

Em resposta aos questionamentos, o Facebook informou que “Os usuários são alertados de que qualquer conteúdo que viole os “TERMOS DE SERVIÇO” ou as políticas do Facebook poderá ser removido pelo Provedor de Aplicações do Facebook, independentemente da existência de ordem judicial”.(grifamos)

Dos termos de serviço da Plataforma verifica-se ainda que:

 

“Podemos remover ou restringir o acesso a conteúdo que viole essas disposições. (...)” (sem ênfase no original)

 

(...)

 

Se removermos conteúdo que você compartilhou por violação a nossos Padrões da Comunidade, avisaremos a você e explicaremos suas opções para solicitar outra análise, a menos que você viole de forma grave ou repetida estes Termos ou faça algo que possa expor a nós ou outros a responsabilidades legais; prejudicar nossa comunidade de usuários; comprometer ou interferir na integridade ou operação de qualquer um de nossos serviços, sistemas ou Produtos; quando formos restritos devido a limitações técnicas; ou quando formos proibidos de fazê-lo por motivos legais.

 

Para ajudar a apoiar nossa comunidade, incentivamos você a denunciar conteúdo ou conduta que considere violar seus direitos (incluindo direitos de propriedade intelectual) ou nossos termos e políticas.

 

Também poderemos remover ou restringir o acesso ao seu conteúdo, serviços ou informações se determinarmos que isso é razoavelmente necessário para evitar ou reduzir impactos jurídicos ou regulatórios adversos para o Facebook (...).” (sem ênfase no original)

 

Ainda em seu esclarecimento, o Facebook pontua sobre os Termos de Serviços que tratam da retirada de conteúdo da internet e explica que:

Alega, ainda, que “Nesse sentido, o Marco Civil da Internet estabelece que a responsabilidade dos provedores de aplicações de Internet só se configura mediante o descumprimento de ordem judicial específica. Contudo, em momento algum, referida lei veda os provedores de aplicações de Internet de analisar e indisponibilizar conteúdos que violem seus termos e políticas, sendo, portanto, nesses casos, sua liberalidade, e não obrigação, a intervenção extrajudicial em observância ao acordo firmado com os usuários.”

Já o Twitter informa em seus esclarecimentos que:

“As providências do Twitter relativas aos direitos de propriedade intelectual começam nos Termos de Serviço, ao prever que a empresa se reserva ao direito de remover conteúdos que violem direitos autorais ou marcas registradas.”

Além de remover o conteúdo reportado, caso receba várias reclamações relacionadas a direitos autorais, o Twitter poderá bloquear as contas dos usuários ou tomar outras medidas para advertir os infratores reincidentes.

O referido diploma legal traduziu a vontade do legislador ao estabelecer a obrigação de remoção de conteúdo mediante ordem judicial. Contudo, esses mesmos legisladores, em momento algum, vedaram aos provedores de aplicação de internet a sua atuação legítima de análise e verificação da violação do contrato celebrado com o usuário, afigurando-se como sua liberalidade, e não obrigação, a intervenção extrajudicial em observância ao acordo firmado com os usuários.

Assim, em nenhum momento o Marco Civil determina que precise existir uma ordem judicial para que um conteúdo seja removido da internet. O provedor apenas será obrigado a remover um conteúdo caso, em regra, exista uma ordem judicial ordenando isso. Antes da ordem judicial, cabe ao provedor gerir a sua plataforma e decidir se removerá ou não determinado conteúdo, quando constatadas violações aos seus termos de uso.

Face ao exposto, verifica-se que o ordenamento jurídico brasileiro não impõe aos provedores de aplicação de internet a obrigação de monitorar previamente a criação de perfis ou os conteúdos veiculados por seus usuários. O que compete aos provedores é proibir, na plataforma, a criação de contas e veiculação de conteúdos contrários aos seus termos e políticas ou à legislação aplicável, agindo no sentido de remover tais perfis ou conteúdos sempre que verificada a violação às suas políticas ou caso haja uma ordem judicial específica determinando a sua remoção”.

O Instagram e o Youtube não apresentaram resposta.

Da leitura dos termos de serviços e tendo em conta os esclarecimentos prestados pelos provedores de aplicações de Internet observa-se que as plataformas estabeleceram política própria de remoção de conteúdo e cancelamento de contas, positivada em seus termos de serviço, que integra o contrato celebrado com o usuário.

Ocorre que tanto o procedimento adotado, quanto a análise de conformidade, são realizados tendo por referência exclusivamente o regramento imposto pelo próprio provedor de aplicações de internet, muitas vezes, até mesmo sem a notificação aos usuários ou a oferta de meios hábeis ao exercício do contraditório, o que infringiria diretamente os preceitos da legislação Brasileira.

É que, a despeito da previsão contida no Marco Civil da Internet de que a responsabilização civil por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros esteja adstrita a não retirada do conteúdo após ordem judicial específica, o Marco Civil da Internet também prevê que o uso da internet no Brasil deve observar os princípios da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal. E, ainda, prevê expressamente que a garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet, sendo nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que violem tal disposição[1].

Logo, cabe ao Poder Público assegurar a observância da legislação nacional, notadamente dos princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil, garantindo aos usuários que tal atividade seja exercida com segurança jurídica.

 

MARCO CIVIL DA INTERNET

 

O Marco Civil da Internet é uma Lei que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres dos usuários da internet. Em um Estado democrático, as leis podem e devem refletir a garantia de direitos e não sua restrição. O Marco Civil é inovador por ser uma Lei que amplia e garante direitos na internet e que não trabalha com a perspectiva de que os direitos garantidos nos espaços virtuais sejam menores que aqueles existentes no nosso dia a dia. O Marco Civil da Internet tem como fundamento basilar a liberdade de expressão, garantindo que qualquer pessoa possa se expressar livremente on-line, já que determina que seja atendido o mesmo direito constitucional que vale para esse exercício em qualquer espaço público. Isso traz um equilíbrio entre as garantias constitucionais, notadamente a proteção da liberdade de expressão.

É importante lembrar que quando houve a proposta do projeto de lei para a criação do marco civil da internet, originalmente se defendia a possibilidade de retirada de conteúdo da internet sem a necessidade de ação judicial, e após grande manifestação contrária por parte da sociedade civil, o texto foi então retirado do projeto. Em uma segunda fase de consulta pública, a redação foi construída no sentido de se proteger o conteúdo publicado e o provedor não deveria remover qualquer conteúdo sem ordem judicial, não sendo possível o atendimento, por parte do provedor, de solicitação de remoção de conteúdos na internet, pois com isso se configuraria uma espécie de censura.

Alinhada aos padrões internacionais de direitos humanos, a legislação brasileira privilegiou a proteção da liberdade de expressão e da livre circulação de conteúdo na internet. Em especial, o Marco Civil da Internet não atribui aos provedores de aplicação a obrigação de remover conteúdos, mesmo quando solicitado pelo usuário, salvo se houver decisão judicial expressa ou, excepcionalmente, solicitação de remoção de materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado. Sua regra geral sobre responsabilidade dos provedores de aplicações por conteúdos ilícitos ou danosos disponibilizados por terceiros consta do art. 19:

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

§ 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.

É possível observar essa mesma proteção em diversos outros dispositivos da norma, como o caput do Artigo 2º, que cita o respeito à liberdade de expressão como fundamento da disciplina do uso da internet no Brasil. O inciso I do Artigo 3º do Marco Civil determina a “garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição”. O seu artigo 8º reforça o princípio: “A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet.”

Ademais, o Artigo 20 estabelece regra que protege fortemente a liberdade de expressão ao determinar que “caberá ao provedor de aplicações de internet comunicar-lhe os motivos e informações relativos à indisponibilização de conteúdo, com informações que permitam o contraditório e a ampla defesa em juízo, salvo expressa previsão legal ou expressa determinação judicial fundamentada em contrário.”

Tamanha é a relevância da indicação específica do conteúdo lesivo, que consta dentre os mandamentos dos princípios de Manila (conjunto de parâmetros destinados sobre censura ou remoção de conteúdo na internet, desenvolvidas por organizações não governamentais para orientar os governos para a implementação de leis que protejam a liberdade de expressão):

II. Não se deve solicitar a remoção de conteúdos sem a ordem de uma autoridade judicial

(…)

b. Ordens para a restrição de conteúdos devem:

1. Incluir uma determinação de que o conteúdo é ilegal na jurisdição em questão;

2. Indicar o identificador de Internet e uma descrição do conteúdo ilegal;

3. Fornecer evidências suficientes para documentar a base legal da ordem;

4. Quando aplicável, indicar o período de tempo no qual o conteúdo deve ser restringido.

(…)

 

Isto quer dizer que cabe a um juiz decidir sobre a ilegalidade ou não de materiais antes que eles possam ser retirados do ar. Tal norma evita que decisões do tipo, tão sensíveis à liberdade de expressão e de imprensa, possam ser tomadas com base em interesses econômicos ou ideológicos. A exclusão além do que foi estritamente submetido à apreciação judicial se traduz em ofensa ao direito de informação de terceiros e à liberdade de expressão do autor do conteúdo retirado ou do proprietário da Plataforma onde ele foi disponibilizado.

Desse modo, o Marco Civil da Internet afasta a responsabilidade de provedores de aplicação por atos de terceiros, podendo ser punidos civilmente somente quando descumprirem ordem judicial expressa determinando a remoção de conteúdo considerado ilícito ou danoso.

Dentre os benefícios dessa regra está a priorização da liberdade na circulação de conteúdo, cabendo ao Poder Judiciário o controle posterior sobre a prática de abusos.

Portanto, a legislação remove do particular a decisão sobre qual conteúdo não deverá ser veiculado na internet, atribuindo tal função a entidades públicas com obrigação de transparência e observância do interesse público.

Importante mencionar, inclusive, a mudança de jurisprudência adotada pelo STJ com o advento do Marco Civil na internet. Havia duas linhas relacionadas ao termo inicial. Esse termo a quo pode ser: (i) a notificação do próprio usuário, pelos meios oferecidos pelo provedor; ou (ii) a notificação judicial, após a provocação do Poder Judiciário por aquele que se considera ofendido.

A jurisprudência utilizava-se da primeira linha que bastaria a ciência inequívoca do conteúdo, contudo conforme jurisprudência colacionada, verifica-se alteração nas interpretações e decisões do poder judiciário.

(…)

8. A regra a ser utilizada para a resolução de controvérsias deve levar em consideração o momento de ocorrência do ato lesivo ou, em outras palavras, quando foram publicados os conteúdos infringentes: (i) para fatos ocorridos antes da entrada em vigor do Marco Civil da Internet, deve ser obedecida a jurisprudência desta corte; (ii) após a entrada em vigor da Lei 12.965/2014, o termo inicial da responsabilidade solidária do provedor de aplicação, por força do art. 19 do Marco Civil da Internet, é o momento da notificação judicial que ordena a retirada de determinado conteúdo da internet.

9. Recurso especial conhecido e provido.

(STJ - REsp: 1642997 RJ 2016/0272263-4, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 12/09/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/09/2017)

No que tange aos direitos autorais, o Marco Civil da Internet remete a aplicabilidade do regramento para responsabilização civil do provedor de aplicações de internet para legislação específica, prevendo, contudo, a aplicabilidade da Lei de Direitos Autorais – LDA (Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998) até a entrada em vigor de Lei específica[2]. Sendo assim, aplica-se o disposto no art. 105 da LDA que prevê que cabe à autoridade judicial competente a decisão de suspender ou interromper a transmissão ou retransmissão por qualquer meio ou processo, neles, inclui-se o ambiente digital, no caso a internet:

Art. 105. A transmissão e a retransmissão, por qualquer meio ou processo, e a comunicação ao público de obras artísticas, literárias e científicas, de interpretações e de fonogramas, realizadas mediante violação aos direitos de seus titulares, deverão ser imediatamente suspensas ou interrompidas pela autoridade judicial competente, sem prejuízo da multa diária pelo descumprimento e das demais indenizações cabíveis, independentemente das sanções penais aplicáveis; caso se comprove que o infrator é reincidente na violação aos direitos dos titulares de direitos de autor e conexos, o valor da multa poderá ser aumentado até o dobro.

 

Logo, provedores de aplicação somente serão responsabilizados pela ofensa a direitos autorais se deixarem de adotar as devidas providências para indisponibilizar o conteúdo infringente após notificação judicial expressa. Essa tese tem sido apoiada pela doutrina justamente pela ausência de legislação específica sobre o tema. Conforme jurisprudência abaixo colacionada:

“Divulgação de livro de autoria do requerente em Plataforma colaborativa da requerida. Inserção por usuário da Plataforma. Atividade da requerida que se configura como provedor de hospedagem. Marco Civil da Internet. Obrigação unicamente de retirada do conteúdo ofensivo após a devida intimação. Obrigação que foi devidamente cumprida. Indenização por danos materiais. Ausência de hipótese de cabimento. Provedor que não foi responsável pela inserção do conteúdo e promoveu a retirada imediata dos endereços eletrônicos indicados pela parte autora. Ausência de comprovação de que a ré tenha o escopo de divulgar de forma indevida conteúdos protegidos por direitos autorais. Ausente o dever de indenizar.” (TJSP, 6ª Câmara de Direito Privado, Apelação n.º 1014183-81.2016.8.26.0071/SP, Rel. Desa. Ana Maria Baldy, Sexta Câmara de Direito Privado, julgado. em 09/11/2017)

 

Dessa forma, em que pese o dispositivo concernente aos direitos autorais não ter sido objeto de legislação específica, a própria jurisprudência reconhece que os princípios estabelecidos no Marco Civil da Internet devem ser aplicados no que tange à responsabilidade civil dos provedores quanto a conteúdo que contenha suposta violação de direito autorais.

Assim, independentemente se o conteúdo veiculado seja protegido por direitos autorais, ou não, as regras do Marco Civil da Internet devem ser aplicadas para todos que utilizam a rede e suas plataformas de compartilhamento de conteúdo.

 

DO MARCO CIVIL DA INTERNET E DOS TERMOS DE USO DAS PLATAFORMAS

 

É importante pontuar que atualmente a internet e seus recursos, nos quais se incluem as plataformas digitais, são mecanismos de inclusão e difusão de informação e cultura, que são utilizadas para que os usuários coloquem à disposição do público suas obras e outros conteúdos. Ocorre que o Marco Civil da Internet é claro ao estabelecer que a garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet.

Nesse sentido, merece averiguação as medidas e procedimentos adotados pelos provedores de aplicações de internet para retirada de conteúdo e até cancelamento de contas, uma vez que a retirada automática de qualquer conteúdo supostamente violador de direitos ou, mais grave ainda, contrário aos “termos de uso” da plataforma promovem remoção massiva de conteúdo da internet, situação que geraria afronta imediata ao direito à liberdade de expressão e manifestação do pensamento.

É de se lembrar que, se o Marco Civil da Internet prevê que o provedor não pode ser responsabilizado pelo conteúdo disponibilizado por terceiros na plataforma é justamente para garantir o atendimento ao princípio constitucional da liberdade de expressão. Logo, em observância ao mesmo princípio, não poderia também o provedor de aplicações de internet remover o conteúdo utilizando como justificativa os “termos de serviço”, notadamente porque muitas vezes tais termos de serviço sequer obedecem a legislação nacional.

Da concretização dos direitos de primeira estatura (liberdade de expressão e de comunicação – arts. 5º, IX, e 220 da Constituição Federal da República) depende, por motivos claros, que o conteúdo lá disponível seja o mais amplo possível.

Esse espelhamento foi adotado, pelo Marco Civil da Internet que dispõe sobre os princípios que devem ser observados pelas plataformas. Contudo, com os termos de serviços estabelecidos, inclusive com vários pontos contrários a legislação brasileira, está sendo limitado o acesso a conteúdos e, consequentemente, a circulação de informações, de entretenimento e de cultura nas mídias digitais, trazendo diversos impactos, e diversos autores perdem a oportunidade de expor seu trabalho nas plataformas, com todas as consequências negativas de ordem patrimonial e pessoal.

Além disso, no estabelecimento de tais termos de uso, os provedores de aplicações de internet devem observância ao disposto no art. 8º do Marco Civil da Internet que prevê:

Art. 8º A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet.

Parágrafo único. São nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que violem o disposto no caput, tais como aquelas que:

I - impliquem ofensa à inviolabilidade e ao sigilo das comunicações privadas, pela internet; ou

II - em contrato de adesão, não ofereçam como alternativa ao contratante a adoção do foro brasileiro para solução de controvérsias decorrentes de serviços prestados no Brasil. (grifamos)

Dessa forma, é possível observar uma afronta, tanto ao Marco Civil da Internet quanto ao arcabouço jurídico, que garante a liberdade de expressão e de informação. A Constituição Federal da República, em seu art. 220, consagrou as liberdades de manifestação de pensamento, de expressão e de informação. Tais liberdades traduzem não apenas direitos individuais relativos à difusão de informações e ideias de qualquer natureza, mas também um direito de dimensão coletiva, pois assegura que toda a comunidade possa ter acesso a qualquer informação, sendo expressamente vedada a censura.

Ora, se o provedor não pode ser responsabilizado pelo conteúdo colocado na Plataforma, não pode também retirar o conteúdo, utilizando como justificativa seus próprios termos de serviço. Inclusive, porque os termos de serviço devem obedecer a legislação nacional em que a Plataforma opera, ou tal documento seria ilícito.

Assim, as plataformas se amparam no princípio da liberdade de expressão garantido no Marco Civil da Internet para eximir-se de eventual responsabilização civil e, de outro modo, valem-se da ausência de vedação expressa à retirada extrajudicial de conteúdo para dispor em seus termos de uso de política própria de remoção de conteúdo e cancelamento de contas que afronta o ordenamento jurídico nacional.

 

CONCLUSÃO

 

Informo ao Senhor Ministro de Estado, que o caso em tela está sendo tratado pela Secretaria Nacional de Direitos Autorais e Propriedade Intelectual, no âmbito de suas competências, com o objetivo de apurar eventuais irregularidades nas práticas das plataformas digitais para retirada unilateral de conteúdos intelectualmente protegidos.

Os indícios apontam para uma violação do ordenamento jurídico brasileiro, em especial à garantia constitucional de livre manifestação do pensamento, além de infrações aos direitos autorais, matéria que deve ser tratada por esta Secretaria.

Considerando que não pode o Poder Público se furtar a assegurar a observância da legislação nacional, notadamente dos princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil, garantindo aos usuários que tal atividade seja exercida com segurança jurídica, observa-se a necessidade de atuação conjunta entre os órgãos, de modo a dar um tratamento sistêmico e coordenado ao caso.

Ante o exposto e considerando as competências do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, estabelecidas no Decreto nº 10.463, de 14 de agosto de 2020, notadamente o disposto no art. 21, inciso XIX, art. 22, inciso XIII e art. 20 do Regulamento do Marco Civil da Internet, e ainda, a competência de coordenação do Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.Br, solicitamos providências no sentido de promover iniciativas para a tutela dos direitos e garantias dos cidadãos no ambiente digital.

 

(assinado eletronicamente)
MARIO LUIS FRIAS
Secretário Especial da Cultura 

 

 

[1] Artigo 8º, caput e parágrafo único da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet).

[2] Artigos 19, §2º e 31 da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet).


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Documento assinado eletronicamente por Mario Luis Frias, Secretário(a) Especial da Cultura, em 15/04/2021, às 12:14, conforme horário oficial de Brasília.


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